![]() Migrar significa uma grande mudança de vida, para um país longinquo, então, alguns sacrífios e adeuses. Uma das principais características das pessoas que migram é que estas geralmente estão entre duas culturas e duas sociedades. E, por isso, a experiência de imigração cria um sentido alternativo de identidade, pois há sempre um processo de assimilação e de reconstrução das próprias origens nos países de destino. O sociologista Stuart Hall argumentava que a identidade cultural tem a ver com dois aspectos primordiais. O primeiro, relacionado à permanência do passado, a essências, tradições e origens, é responsável pelo sentimento de unicidade, de singularidade que estaria enraizado e intacto dentro de nós, sem ser afetado por quaisquer imposições externas e artificiais. Um sentimento estável e imutável. De forma alternativa, mesmo que se reconheça o valor único de uma cultura, a segunda noção de identidade diz respeito a um processo contínuo, relacionado ao futuro, às diferentes circunstâncias políticas, econômicas, sociais e pessoais que constroem e reconstroem em nós infinitos significados. É uma identidade que está eternamente definindo-se, tornando-se e transformando-se. Um ou uma imigrante vai ora assimilar a cultura dominante, ora reconstruir a sua própria no país em que migrou. E isso é influenciado pela manutenção e agregação de laços afetivos, comunitários ou profissionais, e por todas as possibilidades disponíveis, como acesso a informação e recursos. Sendo a Nova Zelândia um país essencialemnte imigrante, que tem por base uma sociedade moderna, democrática e liberal, viver aqui, se adaptar e integrar é razoavelemente fácil. Sim, no passado, a construção da sociedade neozelandesa esteve voltada a imigrantes tradicionais do Reino Unido e Irlanda, mas, na segunda metade do século XX, uma nova dimensão tomou conta através da revisão legal e constitucional do Tratado de Waitangi, que devolveu aos Maoris o real sentido de parceria, participação e proteção nas terras de Aotearoa. Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, os povos do Pacífico migraram para Nova Zelândia por causa de oportunidades de trabalho. E, após as reformas de governo do partido trabalhista neozelandês nos anos 1980, o país abandonou a ideologia de fluxo migratório de somente pakehas para tornar-se uma sociedade culturalmente diversa com grupos de diferentes países e etnias. Até o momento, China, Reino Unido, Índia e Filipinas são os países que possuem os maiores índice de aprovação de residência na Nova Zelândia. Porém, através do estreitamento de relações diplomáticas e de comércio com a América Latina desde a segunda metade do século XX e do Projeto ‘Estratégia Latino-americana’ (Latin American Strategy), lançado em 2010 pelo Ministério de Relações Exteriores e de Comérico neozelandês, o número de latino-americanos e latino-americanas duplicou de desde o censo de 2006 (6.654) para o de 2013 (13.182). A comunidade brasieira, então, tornou-se a maior entre os imigrantes latino-americanos e latino-americanas, compreendendo em torno de um quarto da população desse grupo. Atualmente, existem 3.588 brasileiros residentes na Nova Zelândia e estima-se que entre 6.000 ou 7.000 que trabalham e estudam temporariamente. Muitos desses brasileiros e brasileiros que vieram para cá se uniram a kiwis, mesclando suas culturas e experienciando diferentes aspectos nos seus cotidianos. Para entender um pouco melhor sobre essa mescla do mundo brasileiro com o kiwi, a Revista MBA foi falar com brasileiros e brasileiras que tem parceiras ou parceiros neozelandeses. Vivendo há 12 anos na Nova Zelândia, Cris Diogo, além de ser mãe em turno integral, é fundadora do Grupo Mamãe Brasileira Aotearoa e editora da Revista Mundo Brasileiro Aotearoa. Cristine Evans trabalha full-time com Marketing Digital em uma empresa de Engenharia e vive há 14 anos no país. Facilitadora de grupos de pais sobre o desenvovimento infantil, Susan Bartneck, 37, mora há 13 anos em terras kiwis. Aloísio Ferreira, 39, vive há 18 anos aqui, é dono do Aloisio Brazilian BBQ Catering e também trabalha com pintura. Administrador em radiologia no Hospital de Auckland, Adriano Melo, 39, migrou para Aotearoa há 13 anos. Veja abaixo os tópicos que foram discutidos. Por mais que exista a influência cultural, são as personalidades e experiências individuais que realmente influenciam no jeito de ser das pessoas. É bem possível que você deixe de lado ideias pré-concebidas de que se tem dos homens e das mulheres kiwis. Relações como casal Para Susan poder conhecer melhor o seu marido, vendo que ele era um pouco tímido, ela teve que tomar a inciativa. “Fui eu quem chamei ele pra sair”, revela. A história é diferente para os outros. Cris, casada há quase 10 anos, diz que, por seu marido David ter passado 9 meses viajando pela América do Sul e ter pensado em viver na Argentina, ele entende um pouco melhor sobre a cultura brasileira. Situação similar ocorre com Crisitne que diz que o seu marido, além de prezar muito o “our” entre eles, é um “gringo paraguaio, bem caloroso e engraçado”, que gosta de pimenta, comidas típicas, cerveja e caipirinha. E expressa que “por ter um marido kiwi, aprendi a cultura neozelandesa de uma forma diferente, entendi a essência do país.” A esposa de Aloisio também é adepta da cultura brasileira e gosta de um sambinha e dançar forró. Foi ela quem cozinhou a feijoada no Brazilian Day. Além disso, ela que é a “cabeça do negócio” e lida com toda parte burocrática. Para Adriano, a mulher kiwi é mais independente e isso pode assustar alguns homens brasileiros às vezes. A maior diferença entre eles são suas visões políticas, na verdade. Enquanto ele é libertário, ela, é de esquerda. Divisão de tarefas domésticas No Brasil, em geral, nós somos mais acostumados a não nos preocupar com os afazeres domésticos, porque sempre há alguém para fazê-lo. As coisas não são nada assim aqui. Até poque os kiwi aprendem a fazer tudo desde pequenos e deixam as casas dos pais mais cedo entre os 17 e 18 anos. A maioria dos entrevistados e entrevistadas disseram que aprenderam a ser donos(as)-de-casa na Nova Zelândia.”Os kiwis são naturalmente mais organizados”, explica Cristine. “O homem kiwi ajuda mais em casa”, diz Susan. E Cris acrescenta: “o homem kiwi não é criado achando que a mulher tem que fazer tudo dentro de casa. Ele ajuda sempre, mesmo que trabalhe o dia inteiro”. Aloisio e Adriano confessam que tinham a mentalidade mais brasileira e que, apesar de ajudarem na casa, às vezes, deixam as coisas pra depois e suas mulheres acabam fazendo por eles. “Faço minha parte, mas ela é bem cuidadosa comigo e com as minhas coisas”, explica Adriano. Educação dos filhos e filhas Aloisio e a esposa dividem a tarefa de educar os filhos juntos. Ela, inclusive, incentiva que ele fale português com as crianças, que frequentam aulas de Português. A esposa de Adriano é mais preocupada em manter a linhagem britânica e um estilo de vida mais consciente com as filhas, que apesar de não serem suas biologicamente, as são de criação. “As meninas nunca tomaram refrigerante e comem muito vegetais. Pra mim, isso é esquisito. Estou mais acostumado a comer biscoito de chocolate”. E acrescenta que as meninas se interessam pela cultura e língua brasileira. O marido de Cristine é mais firme na educação com os filhos e prefere o “table manners”. E, apesar de não falarem português em casa, seu marido tenta comunicar algumas paalvras de vez em quando. Segundo ela, a cultura britânica “fecha os olhos” para assuntos mais delicados na educação dos filhos, principalmente quando são adolescentes. Crisitne expressa que quer que seus filhos estejam mais maduros quando sairem de casa, prefere que estudem e terminem a faculdade antes de ir. Para Susan, ou ela ou o marido ficaram em casa para cuidar das crianças. Cris, diz que conversa e explica muito as coisas para os filhos. E qualquer situação que surja em relação à educação deles, ela e o marido tentam não discordar na frente das crianças e, sim, conversar melhor quando eles não estejam presentes. Acrescenta também que o seu marido apoia o bilingualismo em casa. O filho mais velho frequenta as aulas de Português, e o menor vai poder ir quando tenha 3 anos. Relação com outros familiares No caso de Adriano, os avós respeitam muito a privacidade deles e não são participativos para cuidar das crianças. É o mesmo com Cristine, cujos sogros que, mesmo carinhosos e afetivos, são mais reservados e não interferem muito. “Sinto falta de mais apoio”, confessa. Já os sogros de Cris, Susan e Aloisio são bem participativos e não se intrometem tanto como seria o caso com familiares brasileiros. “Eu tive sorte, a minha sogra sempre foi fenomenal, sempre perguntando e me dando independência, diferente da minha mãe que se intromete mais”. A irmã de Aloisio, que também mora na Nova Zelândia, se dá bem com sua esposa e os ajuda a cuidar dos filhos. Manutenção da cultura brasileira em terras kiwis Manter as raízes brasileiras de alguma jeito para Cristine é bem importante. Ela escuta Ivete Sangalo quando faz faxiina, tem a bandeira do Brasil em casa, faz comida baiana, como moqueca e vatapá, usa azeite de dendê. E sua filha mais velha gosta de dançar música brasileira. Adriano gosta de comida mais condimentada, sal e açúcar e sua mulher já ‘abrasileirou’ muito em relação a isso. Para Aloisio é o feijão com arroz todos os dias, tomar cerveja com os amigos no fim-de-semana e dançar samba e forró com a mulher que o fazem recordar de terras brasileiras. Susan se volta ao Brasil na parte espiritual e ao pular ondas no ano novo com a família. Ela possui adornos de santos da religião afrobrasileira em casa. Seu marido, pela descendência Maori, é muito influenciado pela parte espiritual e, por ter sido surfista, apaixonado pelo mar. Além disso, sua filha adora as roupas de carnaval e sacode o corpo quando escuta um samba. “Também, ela me pede para falar português com ela na saída da escola, na frente das amigas. Como se fosse algo que só nós temos.” Cris é super envolvida com a cultura brasileira na Nova Zelândia através do Grupo Mamãe Brasileira e da Revista MBA. Ela é a agregadora dos brasileiros que vivem aqui. Além disso, às vezes coloca a palavra cantada para os seus filhos, mas diz preferir o silêncio quando está sozinha. Saudades do Brasil Adriano diz sentir um pouco de saudades do Brasil e das “sextas-feiras”, mas se vê bem à vontade na Nova Zelândia. “Eu tenho mais a ver com modo de vida anglo-saxão de não ligar pra vida alheia, não se importar com as diferenças, com que os vestem, por exemplo”. Susan diz que não sentir tantas saudades. “Meu lar é na Nova Zelândia. No Brasil, não teria as mesmas oportunidades.” Cris, Aloisio e Cristine dizem sentir saudades de famílias e amigos, mas confessam que estão felizes aqui. Cris ainda diz que sente falta do calor e da praia, mesmo tendo se acostumado com o frio neozelandês. Cristine afirma que não sente saudades é da burocracia e da falta de respeito do povo brasileiro. Ter um parceiro ou parceira kiwi pode significar, além de tudo, a compreensão e a aceitação das diferenças culturais, que, na maioria das vezes, são só positivas e somam à qualidade de vida das pessoas. Cris Diogo esclarece que “diferente não quer dizer melhor ou pior, mas, sim, mais adequado com o seu estilo de vida. Então, as pessoas que se adaptam a Nova Zelândia são aquelas mais abertas às diferenças”. Autor Natural de Porto Alegre/RS, Luciana Hoffmann é graduada em Jornalismo e pós-graduada em Estudos da Tradução. Atualmente, ela está cursando o mestrado em Comunicação Internacional na Unitec e desenvolvendo a sua tese sobre o papel exercido pelas redes de comunicação no processo de imigração das mulheres latino-americanas na Nova Zelândia. Vivendo em uma fazenda com o seu marido argentino, Luciana ama o mar, o surfe e o stand-up paddle board.
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Setembro 2018
AuthorRevista Mundo Brasileiro Aotearoa, a revista dos brasileiros na Nova Zelândia Categories
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